Na escadaria junto à entrada da Academia Jorge Pina, há duas palavras que chamam a atenção de quem passa: “Be Active”. Para lá das portas do edifício, esta expressão ganha vida – para além dos dois ringues de boxe junto à entrada, é possível encontrar uma pista de tartan e equipamentos utilizados para praticar várias modalidades, do jiu-jitsu às acrobacias aéreas. 

Jorge Pina recebe-nos com um sorriso e guia-nos pelas instalações. Um espaço amplo onde “se trata do corpo e da mente”, explica, apontado os dois ringues e levando-nos ao espaço de meditação, onde vários símbolos religiosos e associados à paz estão desenhados, numa enorme palete de cores, em todas as paredes. 

Quando questionado sobre a dimensão do espaço, Jorge responde, orgulhoso: "É do tamanho do meu sonho”. Junto à pista de tartan, com 60 metros, encontramos um corredor com salas de formação utilizadas por jovens como salas de estudo e outras atividades.

Por cada estação que passamos, fica evidente a ligação que existe entre Jorge e os utentes da academia. Várias pessoas cumprimentam-no e perguntam-lhe como está, com o atleta a fazer questão de parar e responder. "Com a associação e a academia, eu queria ser os braços, as mãos e as pernas da comunidade”, conta Jorge: “Quero que os jovens vejam em mim um lutador – um lutador que, perdeu a visão, não baixou os braços, mas agarrou em tudo o que lhe aconteceu para mudar a vida dele e dos outros”. 

 

 

 

Ajudar através de um percurso de vida

Para contar a história da Academia, precisamos de conhecer o percurso de Jorge Pina, nascido em 1976. A AJP surge em 2011, sete anos depois de, durante o treino para o Campeonato do Mundo de Boxe, Jorge Pina ter sofrido uma lesão grave que o fez perder 90% da visão. Depois de refletir “sobre tudo o que tinha acontecido”, conta, tomou uma decisão: “Resolvi que ia agarrar na minha história e no meu percurso de vida para ajudar pessoas”

Começou por criar uma escola de boxe em Marvila onde, “através do boxe, queria ajudar crianças e jovens”. “Como sucedeu comigo”, acrescenta, recapitulando a sua infância, em que o desporto foi decisivo. O atleta português conta que passou a infância e a juventude entre o Bairro do Rego, a Zona J e a Amadora. Experimentou vários desportos como o futebol, o judo e o rugby. “Aí descobri que era melhor com as mãos do que com os pés e fui para o boxe, num clube de bairro”, conta, sorridente.

Filho de pais de origem cabo-verdiana, Jorge conta que, como os pais entravam ao trabalho muito cedo ou trabalhavam por turnos, “andava no bairro, sozinho, à deriva”, em contacto com atos de delinquência. “Estava à procura do meu caminho e, felizmente, apareceu o desporto”, revela.

 


A Associação Jorge Pina, em Marvila, integra atividades que vão do boxe à meditação, promovendo bem-estar físico e mental.


 

A carreira de Jorge Pina no pugilismo começou aos 11 de idade, no clube “Os Económicos”. Mais tarde, entre 1995 e 2002, viria a representar o Sporting Clube de Portugal. No seu palmarés, contam-se vitórias no Campeonato Nacional e Regional em 1997 e 1998 e a Taça de Portugal desse mesmo ano. Conquistou também o título de campeão nacional individual em 1997 e 1998.

Depois de ter perdido quase totalmente a visão, Jorge dedicou-se ao desporto adaptado. Virou-se para o atletismo – mais propriamente para a corrida – e fez parte da comitiva portuguesa em três Jogos Paralímpicos: Pequim (2008), Londres (2012) e Rio de Janeiro (2016).

Jorge não hesita quando afirma que o desporto o ajudou sempre a colocar-se no caminho certo. “Em todos os momentos da minha vida foi o desporto que me ajudou a encarreirar e a superar-me”, partilha, antes de acrescentar: “O desporto é uma excelente ferramenta de inclusão social, de fortalecimento e de valores”.

 

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O impacto das histórias

Enquanto conversamos, numa das salas de formação, rodeado de dicionários, enciclopédias e livros, Jorge explica que tenta utilizar a sua história e a de outros como inspiração. "Sou um contador de histórias reais, que eu passei e que me fizeram chegar onde estou hoje", explica, acrescentando que espera que estas partilhas levem os jovens a “questionarem-se a eles próprios e pensarem qual o propósito de vida deles – que vale a pena sonhar e trabalhar para o sonho, de forma a realizá-lo”.

Além do trabalho na Academia Jorge Pina, o pugilista também dá palestras em escolas, em que procura contar histórias e fazer os jovens questionarem-se sobre o que pretendem fazer no futuro. “Tento, com as minhas palestras, inspirá-los para que consigam trilhar o seu caminho”, conclui.

O treinador da AJP, Armando Naae, começou a participar nas atividades da Associação quando ainda treinavam em vários locais. Quando fala sobre Jorge, diz ser-lhe muito “grato” por este o ter ajudado a tirar o curso de treinador e fala nele como a sua “primeira inspiração”. “É uma inspiração para mim e para todos”, afirma Armando.

 


"Em todos os momentos da minha vida foi o desporto que me ajudou a encarreirar e a superar-me".

Jorge Pina


 

Nas salas da Academia também podemos encontrar a filha de Jorge, Bruna Pina. A jovem de 26 anos é uma das instrutoras da AJP, fazendo acompanhamento e prestando também apoio na avaliação física e inserção dos utentes do espaço.

Bruna diz que as pessoas “têm recebido bem a Academia” e que quem visita o espaço “assume que está aqui uma família”. A atenção é dada a todos, com as pessoas a irem “não só para treinar”, mas também para conversar e manter contacto. “Somos uma companhia para muita gente”, afirma. 

“Gosta do que faz e quer as coisas bem feitas”, diz Beatriz acerca do pai. “Ele é o patrão, quem manda, mas dá-nos liberdade para dar o nosso contributo e tornar a AJP uma ‘academia de todos’”, acrescenta.

 

 

 

 

O trabalho junto dos jovens e da comunidade

As instalações permanentes da Associação Jorge Pina abriram em 2022, com a inauguração da academia, na Avenida Vergílio Ferreira, em Marvila. Antes de encontrar este espaço, Jorge e os seus alunos iam treinando em “escolas e pistas de atletismo”. Foi aí que percebeu que necessitava de um espaço para a associação.

Primeiro, partilhou o projeto com funcionários da Câmara Municipal de Lisboa, fazendo depois uma apresentação na Assembleia Municipal. A partir daí, garantiu 60% dos apoios por parte do município para a renovação do espaço e procurou outros para materiais de construção, entre outros bens necessários.

O material para a prática desportiva também foi conseguido através de outros projetos. Jorge Pina menciona entidades como o BPI e a Decathlon, continuando sempre à procura de apoios para “sustentar a associação”. Destaca ainda o papel da Câmara Municipal de Lisboa, do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) e a Junta de Freguesia de Marvila como grandes parceiros da associação.

E quais são os objetivos da Academia Jorge Pina? “Mente sã em corpo são, é o que tentamos fazer aqui”, explica Jorge. Os jovens que a frequentam têm sessões de estudo acompanhado, com a Academia a ter contacto direto com as escolas para tentar perceber as necessidades dos jovens que por lá passam.

“Procuro implementar hábitos de vida e estar saudáveis, praticar o bem, cuidar de nós, do nosso templo, do nosso interior. Para ajudarmos as pessoas a serem melhores seres humanos”, conta Jorge. "Esse é o primeiro objetivo”, conclui.


Associação Jorge Pina. “Trabalho de proximidade com os jovens” 

 A Coordenadora da Associação Viver em Sociedade (VES), Maria João Rodrigues, também faz parte da AJP, trabalhando na parte administrativa e social da Associação. O trabalho que faz, explica-nos, é um “trabalho de proximidade com os jovens, proporcionando-lhes atividades que têm disponíveis através de diferentes projetos” e também de “ligação entre crianças, pais e escolas, para trabalhar diferentes competências como a motivação”. Entre as várias atividades dinamizadas na Academia para “proporcionar o interesse dos jovens”, fala-nos dos grupos de teatro, dança, expressão, fotografia e arte urbana, estando “sempre o desporto presente”. Sobre a experiência de trabalhar com Jorge, diz que esta é muito boa pois aprende que “sempre conseguimos mais do que pensamos”. Deixa ainda uma nota sobre a capacidade do atleta para motivar quem o rodeio “quando estamos num momento onde podemos baixar os braços, o Jorge tem sempre uma palavra que nos motiva”.